
O Agente Secreto é, acima de tudo, um filme essencialmente brasileiro. Carrega na alma tudo o que define a filmografia de Kleber Mendonça Filho: a observação crítica da sociedade, o olhar afetivo sobre o Recife e a habilidade de transformar a cidade em personagem. Assim como em Retratos Fantasmas, o espaço urbano é parte viva da narrativa — um corpo que respira, reage e molda o destino das pessoas que o habitam.
Neste novo trabalho, Kleber mergulha no período da Ditadura Militar para construir um thriller político de alta precisão, onde a tensão nasce tanto da repressão estatal quanto das manipulações midiáticas que moldam a opinião pública. A Recife da época é apresentada com brutalidade e verdade, e o filme expõe, sem filtros, o funcionamento de um sistema policial que, embora ambientado no passado, ainda encontra ecos perturbadores no presente.
Um dos momentos mais inspirados da obra está na forma como Kleber integra o folclore local à crítica política. A figura da “perna cabeluda”, mito recifense, é reinterpretada como cortina de fumaça — uma invenção usada para distrair a população enquanto atrocidades reais são cometidas. É uma sacada brilhante, que une ironia e denúncia com uma inteligência simbólica que talvez passe despercebida em uma primeira leitura, mas que revela o domínio do diretor sobre o imaginário popular.
Mesmo diante de temas densos, Kleber não abandona o humor característico que permeia sua filmografia. As cenas protagonizadas por Dona Sebastiana, vivida pela excepcional Tânia Maria, são um respiro cômico de altíssimo nível. A atriz entrega uma performance magnética, digna de ser lembrada em qualquer lista de coadjuvantes da temporada — uma presença que equilibra o drama com a graça sem jamais quebrar o tom do filme.
No centro dessa engrenagem está Wagner Moura, em uma das atuações mais marcantes de sua carreira. Intenso, preciso e humano, ele conduz o filme com uma força dramática impressionante. É compreensível que seu nome tenha ganhado força nas campanhas de premiação — e não seria exagero colocá-lo à frente até mesmo de concorrentes como Leonardo DiCaprio, de Uma Batalha Após a Outra. Moura surge como um dos grandes favoritos ao Oscar de Melhor Ator, e O Agente Secreto se credencia para disputar Melhor Filme Internacional — e, quem sabe, até Melhor Filme.
Tecnicamente impecável, com direção segura, reconstituição de época precisa e narrativa envolvente, O Agente Secreto confirma Kleber Mendonça Filho como um dos nomes mais importantes do cinema mundial contemporâneo.
E o final agridoce, inesperado e corajoso, é a síntese de tudo o que o filme constrói até ali. Um desfecho que muita gente pode estranhar, mas que carrega um valor inestimável: ele mantém os pés no chão e reafirma o compromisso de Kleber com a verdade. É ali que o diretor escolhe não se render à ficção confortável, mas à honestidade jornalística — e dá vida à sua própria máxima de que “a ficção é o melhor documentário”. Ele usa o fantástico para revelar o real, o mito para denunciar o fato. E essa é a prova definitiva de que tudo o que Kleber se propõe a fazer em O Agente Secreto, ele acerta.